Para
entrar logo na história: havia uma velha que tinha uma galinha. Assim como sua
dona, a galinha era bastante idosa e muito boa de serviço: todo dia ela botava
um ovo. A velha tinha um vizinho, um velho desgraçado que roubava o ovo quando
ela saía. A pobre velha ficava de olho para pegar o ladrão, mas nunca conseguia
e, como não queria acusar ninguém, teve a ideia de perguntar ao Sol Imortal.
No
caminho ela encontrou três irmãs: as três eram solteironas. Quando a viram,
correram-lhe ao encontro para perguntar aonde estava indo. Ela lhes contou o
que estava acontecendo. "E agora", acrescentou, "vou perguntar
ao Sol Imortal e descobrir o filho-da-puta que rouba meus ovos, fazendo uma
maldade dessas com uma pobre velha cansada." Ao ouvirem isso, as solteironas
se mostraram muito interessadas:
"Ah, tia, por favor, pergunte sobre nós, pergunte por que não
conseguimos nos casar." "Está bem", a velha disse. "Vou
perguntar e talvez ele me dê ouvidos."
Então ela seguiu em frente e encontrou uma velha tremendo de frio.
Quando a velha a viu e ficou sabendo aonde ela ia, começou a suplicar:
"Peço-lhe, senhora, que pergunte também sobre mim; por que será que não
consigo me esquentar, ainda que use quatro casacos de peles, um por cima do
outro?". "Está bem", a velha respondeu. "Vou perguntar a
ele. Mas como posso ajudá-la?"
E
então ela seguiu caminho e chegou a um rio; ele corria turvo e escuro feito
sangue. Ainda de muito longe ela ouviu o som raivoso dele, e as suas pernas
fraquejaram de medo. Quando o rio a viu, também lhe perguntou, na sua voz
brutal e furiosa, aonde estava indo. Ela lhe contou o que tinha para contar. O
rio lhe disse: "Se é assim, pergunte-lhe sobre mim também: que diabos há
comigo, que não consigo correr sossegado?". "Está bem, meu caro rio,
está bem", a velha disse, tão apavorada que mal sabia como continuar.
E
assim ela prosseguiu seu caminho e chegou a uma pedra gigantesca; havia muitos
e muitos anos pendurada, sem poder cair nem deixar de cair. A pedra pediu à
velha que perguntasse o que a estava oprimindo de forma que não pudesse cair e
ficar sossegada, deixando de assustar os passantes. "Está bem", a
velha disse. "Vou perguntar a ele. Não é muita coisa para perguntar e
posso assumir essa tarefa."
Ao
dizer isso, a velha percebeu que já estava muito tarde e disparou a correr
feito uma condenada! Ao chegar ao cume da montanha, ela viu o Sol Imortal
penteando a barba com seu pente de ouro. Tão logo a viu, ele lhe deu as
boas-vindas, ofereceu-lhe uma cadeira e perguntou por que o procurava. A velha
lhe contou o quanto vinha sofrendo por causa dos ovos da sua galinha: "E
eu me jogo a seus pés e imploro", ela disse. "Diga-me quem é o
ladrão. Eu gostaria de saber, porque assim eu não ia continuar amaldiçoando-o
de forma tão desesperada e carregando esse peso na minha alma. E, por favor,
olhe aqui: eu lhe trouxe um lenço cheio de peras do meu pomar e uma cesta cheia
de pãezinhos." Então o Sol Imortal lhe disse: "O homem que rouba os
seus ovos é o seu vizinho. Trate de não lhe dizer nada. Deixe-o à mercê de
Deus, e o homem vai receber o que merece".
"Quando vinha para cá", a velha disse ao Sol Imortal,
"encontrei três solteironas e elas me rogaram: 'Pergunte sobre nós; por
que será que não conseguimos um marido?'." "Entendo o que quer
dizer", o Sol disse. "Mas elas não são moças com quem alguém queira
casar. Elas são meio preguiçosas; não têm mãe nem pai que as orientem, então
todo dia começam a varrer a casa sem antes borrifar água no chão, depois metem
a vassoura e enchem meus olhos de poeira. Já estou por aqui com elas! Não as
suporto. Diga-lhes que daqui por diante devem se levantar antes do amanhecer,
borrifar o chão com água e depois varrer, e logo conseguirão um marido. Você
não precisa mais pensar nelas ao seguir o seu caminho."
"Aí uma velha me fez um pedido: 'Pergunte a ele por que não consigo
me esquentar mesmo que esteja usando quatro casacos de pele um sobre o
outro'." "Diga a ela que dê dois desses casacos de esmola, em
proveito de sua alma, e aí ela vai se esquentar."
"Vi também um rio turvo e escuro feito sangue; sua corrente era
cheia de remoinhos. O rio me pediu: 'Pergunte sobre mim; que devo fazer para
correr tranquilo?'." "O rio deve afogar um homem, e então ficará
sossegado. Quando você voltar lá, primeiro atravesse o rio e só depois conte a
ele o que falei, senão o rio vai tomar você como presa."
"Vi também uma pedra grande: há muitos anos que ela está lá
pendurada, e não consegue cair." "Essa pedra deve matar um homem e
então ficará tranquila. Quando você voltar lá, primeiro passe pela pedra, e só
depois lhe conte o que eu lhe disse."
A
velha se levantou, beijou a mão dele, despediu-se e desceu a montanha. No
caminho, ela chegou à pedra, que a estava esperando como se tivesse cinco
olhos. A velha apressou o passo, passou pela pedra e então lhe disse o que
tinha de dizer. Quando a pedra ouviu que deveria cair e matar um homem, ficou
furiosa; ela não sabia o que fazer. "Ah", ela disse à velha. "Se
você tivesse dito antes, eu teria caído em cima de você." "Que todos
os meus problemas passem para você", a velha disse e — por favor me
desculpem — deu uma palmada no próprio traseiro.
Seguindo seu caminho, ela chegou próximo ao rio, e pelo barulho que ele
fazia a velha percebeu o quanto estava agitado e esperando que ela lhe contasse
o que o Sol lhe dissera. Ela apressou o passo, atravessou o rio e então contou
o que o Sol Imortal lhe dissera. Quando o rio ouviu a resposta, tomou-se de tal
fúria que suas águas ficaram mais turvas do que nunca. "Ah", o rio
disse. "Por que eu não soube disso antes? Então eu tiraria sua vida, pois
você não passa de uma velha que ninguém quer." A velha ficou tão assustada
que nem se voltou para olhar o rio.
Não tinha andado muito e já começou a ver a fumaça subindo dos telhados
da aldeia e a sentir o cheiro de comida que lhe chegava ao nariz. Sem perda de
tempo, procurou a velha que não conseguia se aquecer e lhe disse o que tinha de
dizer. A mesa acabara de ser posta, então a velha se sentou e comeu com eles:
era uma deliciosa comida de Páscoa, e se vocês a tivessem comido iriam lamber
os dedos de tão boa que estava.
Então ela foi procurar as solteironas. Desde que a velha as deixara, as
moças não pararam de pensar nela. Não acendiam o fogo da casa nem o apagavam:
ficavam o tempo todo de olho na estrada para ver se a velha estava voltando.
Logo que as viu, a velha foi se sentar com elas e lhes explicou que deveriam
fazer o que o Sol Imortal recomendara. A partir desse dia começaram a levantar
ainda de noite, borrifavam o chão e o varriam, e então os pretendentes
começaram a aparecer, uns de um lugar, outros de outro. Todos vinham pedi-las
em casamento. Então todas conseguiram marido e viveram felizes.
Quanto à velha que nunca conseguia se esquentar, ela deu dois de seus
casacos de pele para benefício de sua alma, e imediatamente se sentiu aquecida.
O rio e a pedra tiraram cada um a vida de um homem, e encontraram a paz.
Ao
voltar para casa, a velha encontrou o velho à beira da morte. Ao ver que a
velha partira ao encontro do Sol Imortal, ele ficou tão assustado que lhe
aconteceu uma coisa terrível: cresceram-lhe penas de galinha no rosto. Não se
passou muito tempo, e ele logo partiu para aquela grande aldeia de onde ninguém
volta. Depois disso os ovos nunca mais sumiram, e a velha continuou a comê-los
até a morte, e, quando ela morreu, a galinha morreu também.
Do livro "103 contos de fadas", de Angela Carter
Esse
texto provém de Pontos, leste da Grécia. Foi reeditado a partir de Modern Greek
folk tales, selecionado e traduzido por R. M. Dawkins (Oxford, 1953), p. 459.
Segundo Dawkins, a história é muito contada em toda Grécia e Bulgária, embora
normalmente a personagem seja um homem que sai em busca de fortuna, de seu
destino ou, antes, em busca da razão de sua má sorte ou infelicidade.
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