segunda-feira, 11 de abril de 2016

A donzela, o sapo e o filho do chefe


 


 
 
Havia uma vez um chefe africano que tinha duas mulheres e com cada uma delas tinha uma filha. Aconteceu

que, um dia, a primeira mulher morreu, e sua filha teve de ir morar com a segunda mulher, que não gostava nem um pouquinho dela e logo passou a maltratá-la de todas as maneiras. Era ela quem cuidava dos animais, tirava água do poço, cortava lenha, e como se tudo isso não bastasse, ainda tinha de moer o tuwo e o fura, e dar de comer a toda a família. O pior, é que depois de todo o trabalho feito, a madrasta só permitia que ela comesse as raspas queimadas que sobravam no fundo da panela. 
Sem nada poder fazer, a menina sentava- se perto de um poço e comia o que conseguia. O resto, jogava para os sapos que moravam dentro d’água. E assim aconteceu dia após dia, até que ao lugar chegaram  mensageiros de uma aldeia vizinha, anunciando que haveria uma grande festa no dia do Festival da Colheita. Nesta tarde, quando ela foi para o poço comer as raspas que a madrasta lhe dera, ela encontrou um enorme sapo, que foi logo dizendo:  
– Donzela, amanhã é o dia do Festival. Venha até aqui assim que o sol raiar e nós a ajudaremos. 
Na manhã seguinte, porém, quando ela estava indo para o poço, a meia irmã lhe disse: 
– Volte aqui, sua menina inútil! Você não mexeu o tuwo, nem moeu o fura, nem pegou água no poço, nem lenha na floresta. Então ela voltou para fazer esses trabalhos e o sapo passou o dia inteiro esperando por ela. Ao entardecer, assim que acabou todo o serviço, ela correu para o poço e lá estava o velho sapo, que foi logo dizendo: 
– Tsc, tsc. Esperei por você desde de manhã e você não veio. 
– Velho amigo – respondeu a menina - eu sou uma escrava. Minha mãe morreu e eu me mudei para a cabana da outra mulher de meu pai. Ela me faz trabalhar sem parar e só me dá restos de comida para comer. 
O sapo, então, disse: 
– Menina, dê-me sua mão. Ela estendeu-lhe a mão e pularam juntos para dentro d’água. Aí, ele a levantou, engoliu-a e depois a vomitou. 
– Boa gente – disse ele para os outros sapos - Olhem e digam-me. Ela está reta ou torta? 
Os sapos se entreolharam e responderam: “Ela está torta para a esquerda”. Então ele novamente a levantou, engoliu-a, vomitou-a e novamente perguntou aos outros sapos: 
– Boa gente. Olhem e digam-me. Ela está reta ou torta? 
– Ela está bem reta agora – coaxaram os sapos. Então ele vomitou roupas, pulseiras, anéis e um par de sapatos, um de prata e outro de ouro, e disse: 
– Tome. Vista-se e vá ao Festival. Mas preste atenção. Quando a dança estiver quase no fim e os dançarinos já estiverem se dispersando, deixe seu sapato de ouro lá e volte para casa. 
A menina vestiu as lindas roupas, enfeitou-se com as lindas joias que o sapo lhe dera e correu para o Festival. Quando o filho do chefe a viu chegando, disse: 
– Aí está uma donzela para mim. Não me interessa de que casa ela vem. Tragam-na aqui! 
Então os servos levaram a menina até onde ele estava e juntos eles passaram a noite toda conversando. Mas quando os bailarinos começaram a se dispersar, ela se levantou e, antes que o filho do chefe pudesse impedi-la, saiu correndo, deixando o sapato de ouro para trás. Na beira do poço, já esperando por ela, estava o sapo. Mais do que depressa, eles pularam dentro d’água, ele a engoliu e vomitou-a: e lá estava ela, exatamente como era antes, vestida com andrajos. 
Enquanto isto, o filho do chefe dizia ao pai: 
– Pai, hoje conheci uma jovem que usava um par de sapatos, um de ouro e outro de prata. Aqui está o de ouro, ela o esqueceu aqui. Ela é a menina com quem eu quero me casar. Faça com que se reúnam todas as jovens, moças ou velhas dessa aldeia e da aldeia vizinha, para descobrir quem tem o de prata. 
O chefe na mesma hora ordenou que se reunissem todas as donzelas e cada uma experimentou o sapato, mas em nenhuma ele serviu. Foi quando alguém disse: 
– Espere um minuto! Ainda há aquela moça órfã, que mora naquela casa. 
Buscaram então a moça. Assim que o filho do rei a viu, correu em direção a ela, calçou o sapato de ouro em seu pé e levou-a com ele para sua cabana. Assim que ela partiu, o sapo chamou todos os outros sapos, tanto os grandes quanto os pequenos, e lhes disse: 
– Minha filha está se casando. Quero que cada um de vocês dê a ela um presente. 
E cada um deles vomitou coisas para ela: cobertores coloridos, tapetes, esteiras, tecidos, vasilhas, e o sapo velho, depois de muito esforço, vomitou uma cama de prata, uma cama de cobre e uma cama de ferro. Na manhã seguinte, quando a menina acordou, viu na soleira da porta o velho amigo e os presentes. Ela ajoelhou-se respeitosamente e ele lhe disse: 
– Isto tudo é para você. Mas preste atenção. Quando seu coração estiver triste, deite-se na cama de bronze. Quando seu coração estiver tranquilo, deite-se na cama de prata e quando o filho do chefe vier visitá-la, deite-se com ele na cama de ouro. Quando as outras mulheres de seu esposo vierem cumprimentá-la, dê-lhes duas cabaças de nozes e dez mil conchas de molusco para comprarem flores de tabaco. Quando as concubinas vierem pegar milho para fazer o tuwo, deixem que se sirvam à vontade. Mas, se a mulher de seu pai vier com sua filha e lhe perguntar como é viver na cabana do chefe, diga-lhe: “Viver na cabana do chefe é muito difícil, porque eles medem o milho com uma concha de Bambara". Um dia, a madrasta foi com a filha visitar a menina e perguntou-lhe como era a sua vida. Lembrando-se dos conselhos do sapo, ela respondeu: – Oh! É muito difícil. Eles usam uma concha de Bambara para medir o milho. Quando as outras mulheres do chefe vêm me cumprimentar, eu respondo com um ”BAH!” de desprezo. Se as concubinas vêm me cumprimentar, eu cuspo nelas. E quando meu marido chega na cabana, eu grito com ele.
A madrasta, na mesma hora, colocou a própria filha na cabana e obrigou a órfã a voltar para casa com ela.
Na manhã seguinte quando as mulheres vieram cumprimentá-la, a filha da madrasta gritou-lhes: “BAH!”. Quando as concubinas vieram visitá-la, ela cuspiu nelas. E quando caiu a noite e o filho do chefe foi vê-la, ela gritou com ele. O filho do chefe achou aquilo muito estranho. Saiu da cabana e por dois dias pensou no assunto. Depois, reuniu suas mulheres e concubinas e disse para elas: 
– Olhem! Chamei vocês para perguntar-lhes: Como minha nova esposa trata vocês? 
– Como nos trata?! exclamaram elas. - Cada manhã, quando íamos cumprimentá-la, ela nos dava duas cabaças de nozes e dez mil cowries para comprar flores de tabaco. Depois dava a cada uma de nós uma cabaça de nozes, cinco mil cowries para comprar flores de tabaco, e um saco cheio de milho para fazer tuwo. Agora ela grita “Bah!” e nos cospe. 
– Vê - disse ele. Antes, quando ia vê-la, eu sempre a encontrava ajoelhada e ela se deitava comigo na cama de ouro, agora ela grita comigo. – Acho que trocaram a menina. 
O filho do chefe, então, chamou seus guerreiros. Eles entraram na cabana da moça e a cortaram em pedacinhos. Depois, foram à casa da madrasta e lá encontraram a pobre órfã deitada nas cinzas da fogueira. Na mesma hora a levaram de volta para o marido. Na manhã seguinte, ela contou ao marido como o sapo a havia ajudado e pediu que ele mandasse construir um poço próximo à sua cabana para que o velho sapo e todos outros sapos, grandes ou pequenos, passassem a morar ali. E assim foi.
 
 
Notas:
1 Tuwo – uma espécie de mingau. 
2 Fura – uma espécie de mistura de cereais. 
3 Conchas usadas como dinheiro em várias tribos africanas. 
4 Expressão que significa “como as pessoas aqui são ‘pão-duras’, há pouco para comer”.
 
 
 
Tradução e adaptação de Maria Clara Cavalcanti de “The maiden, the frog & the chief’s son”, de William Bascom, e que faz parte do livro CINDERELLA, A Folklore Casebook, de Alan Dundes Garland, da editora Publishing, Inc. New York & London. 1982 p.148. Este conto foi publicado no “Journal of the Folklore Institute”, em 1972.