segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Zezolla, la Gatta Cenerentola


Mais uma versão de Cinderela:
Zezolla, la Gatta Cenerentola. Gianbattista Basile, Nápoles, século XVII 
 
Era uma vez um príncipe viúvo que tinha uma filha que ele amava muito. A garota tinha uma professora que cuidava dela e lhe ensinava muitas coisas e sempre lhe demonstrava muita afeição.
O pai havia se casado novamente com uma mulher má e perversa, que começou a demonstrar desprezo pela enteada e sempre fazia cara feia e olhares tortos para ela, tanto que a pobre garota sempre se lamentava com a professora sobre o maltrato que sofria da madrasta, e sempre dizia: – Oh Deus, porque não podia ser você a ser a minha mamãezinha, você que gosta tanto de mim? – De tanto repetir isso, uma vez a professora, cegada pela inveja, lhe respondeu: – Se você fizer o que lhe disser esta minha cabeça louca, eu serei sua mãe e você me será sempre cara – Ela ia continuar a falar, quando Zezolla (esse era o nome da garota) disse: – Desculpe-me se a interrompo. Eu sei que você me quer bem, portanto ensine-me o que eu tenho que fazer; você escreve, eu assino.
– Então me escute com atenção – disse a professora. – Assim que seu pai sair, diga a sua madrasta que você quer aquele vestido velho que está dentro do grande baú no porão, para economizar este que você usa agora. Ela, por querer vê-la toda maltrapilha, abrirá o baú e mandará você segurar a tampa enquanto ela procura o vestido. Você irá segurá-lo aberto e, quando ela estiver curvada para dentro revirando as roupas, você deixará a tampa cair com tudo, assim seus ossos irão se quebrar. Após isso, você sabe que seu pai faria de tudo para vê-la feliz, então, quando estiver com ele, peça-lhe para me tomar como sua mulher. Eu serei muito grata a você!
Assim, Zezolla pôs em prática passo a passo o conselho da governanta. Passado o tempo do luto pela desgraça da madrasta, ela começou a dizer ao pai que ele deveria se casar com a professora. No começo, o príncipe achou que fosse brincadeira da filha, mas como ela tanto insistiu, ele acabou ouvindo-a e se casou com Carmosina, a professora, e fez uma grande festa.
Enquanto os noivos estavam na festa, Zezolla foi até um terraço e viu uma pombinha sobre o muro, e esta lhe disse: – Se você precisar de qualquer coisa, peça-a à pomba das fadas da ilha de Sardenha e a terá logo.
A nova madrasta, por cinco ou seis dias, encheu Zezolla de carinho, deixando-a sentar no melhor lugar da mesa e dando-lhe os melhores vestidos. Mas, passado algum tempo, totalmente esquecida do favor que havia recebido da garota, começou a falar das suas seis próprias filhas, que até então havia mantido em segredo. Tanto insistiu com o marido que este recebeu as enteadas com muito amor, esquecendo-se de sua própria filha.
A garota passou a ir apenas do quarto para a cozinha e da pia ao fogão. Suas roupas de seda e ouro se transformaram em trapos. Até seu nome mudou, de Zezolla passou a ser chamada de Gata Borralheira.
Um dia, o príncipe teve que ir à Sardenha, então ele perguntou às suas seis enteadas o que elas queriam que ele trouxesse de presente. Umas pediram belos vestidos, outras lindos enfeites de cabelo, outras brinquedos para passar o tempo, entre muitas outras coisas. Por último, quase por obrigação, perguntou à filha: – E você, o que quer? – e ela respondeu: – Nada além de que o senhor mande lembranças minhas à pomba das fadas, dizendo-lhe que me mande alguma coisa. E se você se esquecer, não conseguirá ir adiante, nem retornar.
O príncipe foi, resolveu tudo o que precisava, comprou os presentes das enteadas e Zezolla saiu de sua mente. Ao tornar ao navio, por mais que tentasse e mexesse as velas, o navio não saia do lugar. O dono do navio, quase desesperado com o ocorrido, acabou adormecendo e sonhou com uma fada, que lhe disse: – Sabe por que o navio não sai do porto? Porque o príncipe, que veio com você, esqueceu-se da promessa que fez à filha, lembrando-se de todos, menos do seu próprio sangue. – Ele acordou e contou o seu sonho ao príncipe, que, envergonhado por seu esquecimento, foi até a gruta das fadas e, falando-lhes da filha, pediu que lhe mandassem alguma coisa.
Uma bela jovem saiu da gruta e disse que agradecia a filha pela boa memória e que queria que ela soubesse que tinha o seu amor. Então deu-lhe uma tâmara, uma enxada, um balde de ouro e uma toalha de seda, dizendo que um era para germinar e os outros, para cultivar a planta. O príncipe, maravilhado com esses presentes, voltou à sua casa, deu às enteadas tudo o que elas queriam e depois entregou à filha o presente da fada. Muito feliz, ela plantou a tâmara em um belo vaso, cuidou dela, regou-a e com a toalha de seda enxugava-a de manhã e a noite. Em quatro dias a planta cresceu e ficou do tamanho de uma mulher, e uma fada saiu de dentro dela dizendo: – O que deseja?
Zezolla respondeu que queria sair de casa algumas vezes, mas não queria que as irmãs soubessem. A fada respondeu: – Sempre que precisar, venha até este vaso e diga: “Tamareira minha dourada, com a enxada de ouro te plantei, com o balde de ouro te reguei, com a toalha de seda te enxuguei, despe a ti e veste a mim!” E quando quiser voltar, mude o último verso, dizendo: “Despe a mim e veste a ti!”
Assim, chegando um dia de festa e estando as filhas da governanta todas arrumadas e cheirosas, Zezolla correu até o vaso e, ao dizer as palavras ensinadas pela fada, ficou arrumada como uma rainha e foi colocada em uma carruagem com doze pajens, e seguiu até onde estavam as irmãs, que ficaram com inveja da bela moça que viram. Mas, como era a vontade da sorte, o rei também estava lá e ficou encantado com a extraordinária beleza de Zezolla. Ele pediu ao seu empregado mais leal que descobrisse quem era aquela bela moça e onde vivia. O empregado começou a segui-la quando ela estava indo embora, mas ela, percebendo, jogou algumas moedas de ouro que havia pegado da tamareira para esse propósito. Ao ver o ouro, ele se esqueceu de segui-la para encher o bolso. Ela voltou para casa, despiu-se e esperou as irmãs voltarem. Estas, para deixá-la com inveja, contaram sobre todas as coisas maravilhosas que haviam visto. Enquanto isso, o empregado foi até o rei e contou sobre as moedas. O rei, furioso com ele, lhe disse que, a qualquer custo, na próxima festa ele teria que descobrir quem era aquela jovem e onde vivia.
Chegou a outra festa e as irmãs, muito arrumadas, saíram deixando Zezolla no fogão. Ela correu até a tamareira e, ao dizer as mesmas palavras, saíram várias fadas da planta, uma com um vestido, outra com uma coroa, outra com um pente, outra com um colar, e outras ainda com várias outras coisas. Deixaram-na linda como o sol e colocaram-na em uma carruagem com seis cavalos, um cocheiro e alguns pajens. Chegando à festa, ela incitou maravilhas ao coração das irmãs e fogo ao peito do rei. Mas, ao ir embora, o empregado do rei a seguiu novamente, e para que ele não a alcançasse, ela jogou algumas joias e pérolas, e o homem parou para pegá-las, pois não eram coisas para se jogar fora. Assim, ela teve tempo de voltar a sua casa e de despir-se. O empregado voltou até o rei, que lhe disse: – Pelas almas dos mortos, se você não encontrá-la, você será um homem morto!
Chegou a terceira festa e, assim que as irmãs saíram, ela foi até a tamareira e, novamente dizendo aquelas palavras, foi vestida maravilhosamente e posta em uma carruagem de ouro com muitos servidores. Na festa, causou muita inveja às irmãs e, quando foi embora, o empregado do rei a seguiu e estava quase alcançando-a. Ao vê-lo sempre perto, ela mandou o cocheiro correr, e a carruagem correu com tanta fúria que um sapato escapou de seu pé. Não se podia ver uma coisa mais bela. O empregado, que não conseguiria alcançar a carruagem que voava, pegou o sapatinho do chão e o levou ao rei, contando-lhe tudo. O rei, ao pegar o sapatinho, disse: – Se a base é assim tão bela, imagine como será a casa! Oh bela dama que prendeu a minha alma em sua rede de amor! – Assim, o rei chamou o escrivão, tocou a trombeta e lançou um aviso dizendo que todas as mulheres do reino deveriam ir à festa que ele daria e ao banquete.
Chegou o dia, e que grande banquete foi preparado! Vieram todas as mulheres, jovens e velhas, bonitas e feias, ricas e pobres, e o rei experimentou o sapatinho no pé de todas elas, uma por uma, para tentar descobrir a quem ele pertencia. Mas o sapatinho não servia em nenhum pé. O rei começava a ficar desesperado e disse: – Quero que todas voltem amanhã, e se me querem bem, não deixem nenhuma mulher em casa, seja ela quem for!
Então o príncipe disse: – Eu tenho uma filha, mas ela está sempre no fogão e não merece sentar-se a mesa com vossa majestade.
– Que essa seja a primeira da lista – disse o rei.
No outro dia todas voltaram, e junto com as filhas de Carmosina veio Zezolla. Assim que o rei a viu, desconfiou que aquela fosse a moça que procurava. Após o banquete, veio a prova do sapato que, assim que se aproximou do pé de Zezolla, quase que pulou sozinho ao pé da moça. Ao ver isso, o rei correu para abraçá-la e colocou uma coroa em sua cabeça, dizendo a todos que deveriam reverenciá-la como sua rainha. As irmãs viram essa cena e ficaram com muita raiva, não conseguiram suportar a inveja de seus corações e fugiram de volta para a casa da mãe.
 
Tradução do conto “La Gatta Cenerentola”, de Giambattista Basile, publicado em “Lo cunto de li cunti (Il Pentamerone). Volume I”. Tradução: Ana Lucia Rizzi Fiori.  Extraído do blog:
http://sempreversoes.blogspot.com.br/2013/02/a-gata-borralheira.html