sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Catarina Quebra-Nozes (inglês)



   Era uma vez um rei e uma rainha, como os houve em muitas terras. O rei tinha uma filha, Anne, e a rainha tinha outra, chamada Catarina; Anne era muito mais bonita do que a filha da rainha, mas isso não as impedia de se amarem como irmãs de verdade. A rainha tinha inveja pelo fato de a filha do rei ser mais bonita do que a sua, e procurava por todos os meios estragar a beleza da outra. Então ela foi se aconselhar com a mulher das galinhas, que lhe disse para lhe mandar a mocinha, em jejum, na manhã seguinte.

   Então, no outro dia bem cedinho, a rainha disse a Anne: "Minha querida, vá procurar a mulher das galinhas no vale e lhe peça alguns ovos". Então Anne foi saindo, mas ao passar pela cozinha viu um pedaço de pão, pegou-o e foi mastigando enquanto andava.

   Quando ela chegou à casa da mulher das galinhas, pediu ovos, como lhe mandaram; então a mulher lhe falou: "Levante a tampa daquela panela ali e olhe". A mocinha obedeceu, mas não aconteceu nada. "Volte para casa e diga à sua mãe que mantenha a porta da despensa mais bem trancada", a mulher disse. Então a mocinha voltou para casa e contou à rainha o que a mulher lhe dissera. Daí a rainha concluiu que a mocinha tinha pegado alguma coisa para comer, então ficou de olho na manhã seguinte e a mandou à mulher das galinhas em jejum; mas a princesa viu uns camponeses colhendo ervilhas à beira da estrada e, como era muito gentil, conversou com eles, pegou um punhado de ervilhas e foi comendo enquanto andava.

   Quando ela chegou à casa da mulher das galinhas, esta falou: "Levante a tampa daquela panela e veja". Anne levantou a tampa, mas não aconteceu nada.

Então a mulher ficou furiosa e disse a Anne: "Diga à sua mãe que a panela não vai ferver se o fogo estiver apagado". Então Anne voltou para casa e deu o recado à rainha.

   No terceiro dia a própria rainha acompanhou a moça até a casa da mulher das galinhas. Dessa vez, quando Anne levantou a tampa da panela, sua bela cabeça caiu do resto do corpo e foi substituída por uma cabeça de ovelha.

   Então a rainha ficou muito satisfeita e voltou para casa.

   Sua própria filha, Catarina, porém, pegou um belo corte de linho, cobriu com ele a cabeça da irmã, tomou-a pela mão — e lá se foram as duas tentar a sorte. Elas andaram, andaram e andaram até chegarem a um castelo. Catarina bateu na porta e pediu pousada para as duas por uma noite. Elas entraram e notaram que era o castelo de um rei que tinha dois filhos. Um deles estava doente, à beira da morte, e ninguém conseguia descobrir o que ele tinha. E o mais curioso era isto: todos que cuidavam dele durante a noite desapareciam para sempre. Então o rei oferecera uma boa quantidade de prata a quem conseguisse acabar com aquilo. Uma vez que Catarina era uma moça muito corajosa, ofereceu-se para ficar com ele.

   Até a meia-noite tudo correu bem. Quando o relógio bateu doze horas, porém, o príncipe enfermo levantou-se, vestiu-se e desceu as escadas. Catarina o seguiu, mas ele pareceu não notar. O príncipe foi ao estábulo, selou seu cavalo, chamou seu cão de caça, pulou na sela. Mais do que depressa, Catarina pulou na garupa. E lá se foi o príncipe cavalgando pela floresta. Enquanto avançavam, Catarina colhia nozes das árvores e enchia o avental com elas. Seguiram cavalgando até chegarem a uma colina verdejante. Naquele ponto o rei puxou as rédeas e falou: "Abra, abra, colina verdejante, e deixe entrar o jovem príncipe e seu cão de caça", e Catarina acrescentou: "e sua amada em seguida a ele".

   Imediatamente a colina se abriu e eles passaram. O príncipe entrou num magnífico saguão profusamente iluminado, e muitas belas fadas o rodearam e o levaram para dançar. Nesse meio-tempo, Catarina, sem que ninguém notasse, escondeu-se atrás da porta. Dali ela viu o príncipe dançando, dançando, dançando e dançando até não poder mais e cair num divã. Então as fadas o abanaram com leques até ele se levantar de novo e continuar a dançar.

   Por fim o galo cantou, e o príncipe se apressou em montar no cavalo. Catarina pulou atrás dele, e lá se foram de volta para casa. Quando o sol nasceu, as pessoas entraram no quarto e encontraram Catarina sentada ao pé da lareira quebrando suas nozes. Catarina disse que o príncipe passara uma ótima noite, acrescentando que só passaria outra noite com ele se lhe dessem uma boa quantidade de ouro. A segunda noite se passou da mesma forma que a primeira. O príncipe se levantou à meia-noite, foi até a colina verdejante e ao baile das fadas, e Catarina o acompanhou, colhendo nozes enquanto cavalgavam pela floresta. Dessa vez ela não ficou olhando o príncipe, porque sabia que ele ia ficar dançando, dançando e dançando. Mas ela viu um bebê-fada brincando com uma varinha e ouviu uma das fadas dizer: "Três batidas com esta varinha fariam a irmã de Catarina ficar tão linda como sempre foi".

   Então Catarina fez nozes rolarem em direção ao bebê-fada para que ele começasse a andar a passos trôpegos até elas, deixando a varinha cair. Então Catarina pegou a varinha e a colocou no avental. Quando o galo cantou, voltaram para casa como antes, mas, em vez de quebrar suas nozes como da outra vez, ao chegar em casa Catarina foi direto para o quarto, apressando-se em tocar Anne três vezes com a varinha. A feia cabeça de carneiro caiu, dando novamente lugar ao seu belo rosto.

   Na terceira noite, Catarina consentiu em ficar com o príncipe, com a condição de se casar com ele. Tudo aconteceu como nas duas primeiras noites. Dessa vez o bebê-fada estava brincando com um passarinho. Catarina ouviu uma das fadas dizer: "Três bocados desse passarinho fariam o príncipe ficar saudável como sempre foi". Catarina fez rolarem todas as nozes que tinha para perto do bebê-fada até ele soltar o passarinho, então ela o colocou no avental.

   Ao cantar do galo, tornaram a partir. Em vez, porém, de quebrar suas nozes como sempre, dessa vez Catarina depenou o passarinho e o cozinhou. Logo se sentiu um cheirinho delicioso. "Oh", o príncipe doente disse. "Eu queria um pouco desse passarinho." Catarina lhe deu um bocado do passarinho, e ele levantou um pouco o corpo, apoiando-se nos cotovelos. Logo depois ele falou novamente: "Ah, se me dessem outro bocado desse passarinho!", então Catarina lhe deu outro pedaço, e ele se sentou na cama. Daí disse novamente: "Se me dessem só um terceiro naco desse passarinho!". Então ela lhe deu um terceiro pedaço, e ele se levantou são e forte, vestiu-se, sentou-se junto à lareira, e, quando as pessoas entraram no quarto na manhã seguinte, encontraram Catarina e o jovem príncipe quebrando nozes juntos. Nesse meio-tempo o irmão dele tinha visto Anne e se apaixonara por ela, como acontecia com todos ao ver seu lindo rosto. Então o filho doente se casou com a irmã sã, e o filho são se casou com a irmã doente, e viveram felizes e morreram felizes, e os ventos nunca lhes foram contrários.


Do livro "103 contos de fadas", de Angela Carter

***

   "Catarina Quebra-Nozes"
   Joseph Jacobs publicou o conto em English fairy tales, a partir de uma edição de Folk-Lore de setembro de 1890, fornecida por Andrew Lang, organizador dos Red, Blue, Green, Violet... fairy books etc. "Está muito deturpado", queixou-se Jacobs, "ambas as jovens são chamadas de Kate, e tive de reescrever muita coisa."
   Este é um autêntico conto de fadas. Aqueles que se interessam pela origem das fadas podem encontrar a referência adequada em A dictionary of fairies [1976], de Katharine Briggs. Seriam elas espíritos dos mortos, anjos caídos ou, como pensava J. F. Campbell (Popular tales of the west Highlands, editado e traduzido por J. F. Campbell [Londres, 1890]), seriam reminiscências raciais dos pictos, os habitantes pequenos e trigueiros do norte da Grã-Bretanha na Idade da Pedra? Se assim for, o ciclo do conto de fadas imita de perto o ciclo humano, com nascimentos (imaginem um bebê-fada!), casamentos e mortes. O poeta William Blake afirma ter visto o funeral de uma fada. Essas fadas não têm asas brilhantes; tradicionalmente, elas voam pelos ares montadas em talos de tasneira ou em ramos, da mesma forma que as feiticeiras montam em cabos de vassoura, erguendo-se no ar por força de palavras mágicas. Certa vez John Aubrey (Miscellanies) ouviu uma: "Cavalo e chapelinho". Esses seres, de natureza brusca e prática, são literalmente, terrenos — preferem viver dentro de colinas ou montes de terra, e raramente são bondosos.



Nenhum comentário:

Postar um comentário