sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

 AS FIANDEIRAS

                   

Era uma mãe que tinha uma filha e só pensava em casá-la bem. Foi à casa de um mercador que vendia linhagem, e pediu-lhe para que lhe vendesse uma pedra de linho, porque a filha fiava tudo num dia. Trouxe o linho para casa e disse à filha:

                   

— Tens de me fiar esta pedra de linho hoje mesmo, porque amanhã vou buscar mais. Quando voltar para casa quero achar o linho todo fiado.

                   

A pequena foi sentar-se à porta, a chorar, sem saber como obedecer à mãe. Passou uma velhinha:

   

— A menina o que tem, que está a chorar desse modo?

                   

— O que hei-de terl É minha mãe que quer à força que lhe fie n'um dia uma pedra de linho, e eu não sei fiar.

— Deixe a menina estar, que eu lhe fio tudo se me promete que no dia do seu casamento me há de chamar três vezes tia.

                   

A menina olhou para dentro de casa, e viu o linho remexido, e todo fiado. No dia seguinte, a mãe foi à loja, gabou muito a habilidade da filha, e pediu outra pedra de linho para ela fiar. A pequena foi-se sentar à porta, a chorar, esperando que passasse a velhinha da véspera. Passou uma outra:

                   

— A menina o que tem, que está a chorar dessa maneira ?

                   

A pequena contou-lhe as ordens que tinha recebido da mãe.

                   

— Pois se a menina me promete que no dia do casamento me há de chamar três vezes sua tia, o linho há de aparecer fiado.

                   

A pequena prometeu que sim, e olhando para dentro de casa deu com o linho remexido e prometido.

                   

A mãe foi buscar mais outra pedra de linho, e repetiu-se o mesmo caso; até que passou uma terceira velhinha, que lhe fez tudo com a mesma promessa. O comerciante sabendo daquela habilidade quis ver a rapariga, achou-a bonita e esperta e quis casar com ela; a mãe ficou bem contente porque o noivo era muito rico. O comerciante mandou-lhe um grande presente, com muitas rocas e fusos, para que quando casassem, as suas criadas todas fiarem. No dia do casamento fez-se um opíparo jantar, a que todos os seus amigos assistiram; quando estavam à mesa bateu aà porta uma velhinha:

                   

— Ai! é aqui que mora a noiva?

— Entre minha tia; sente-se aqui, minha tia; coma alguma coisa, minha tia.

                   

Ficaram todos pasmados de verem uma velha tão corcovada com um nariz muito pencudo. Mas calaram- se. Instantes depois, bateram à porta; era uma outra velhinha:

                   

— É aqui que moora a noiva que se casou hoje?

                   

— É, minha tia; entre, minha tia; jante conosco, minha tia.

                   

A velha sentou-se e todos ficaram pasmados do enorme aleijão que ela tinha nos queixos. Mas continuaram a jantar. Bateram outra vez à porta; era outra velhinha, que fez a mesma pergunta.

                   

— Ora entre, minha tia; cá a esperávamos, minha tia; há de jantar conosco, minha tia.

                   

Também não causou menos pasmo esta velha toda corcovada e com as costelas embicadas para fora; mas desta vez os curiosos, principalmente o noivo, perguntaram porque tinham aquelas suas tias tama- nhos aleijões.

                   

Disse a primeira:

                   

—Tenho assim o nariz, porque fiei muito, muito, e as arestas do linho puseram-me assim.

                   

— E eu, meu sobrinho, tenho assim os queixos, por que fiei muito, e fiquei assim por tanto riçar os tomentos.

                   

—Pois eu, sobrinho, fiquei com estas corcovas por estar sempre para um canto com a roca à cinta.

                   

O marido tanto que ouviu aquillo, levantou se e foi pegar nas rocas, fuzos, sarilhos, dobadouras e se- deiro e atirou tudo para a rua, declarando que na sua casa nunca mais se havia de fiar, porque não queria que lhe acontecessem á sua mulher eguaes desgraças.

                   

(Algarve.)

               

As fiandeiras. (Pag. 17) —Nas Fire Side stories of Ireland, de P. Kennedy, acha-se este conto, e traduzido por Brueyre com o titulo A priguiçosa e suas tias. (Contes populaires de la Grande Bretagne, n.° xxxii, p. 159.) Entre as differentes fontes, cita a versão escosseza da collecção de Chambers, Whooppity Storie (op. cit., P 245, de Brueyre); há uma lição franceza Historie du Ric l)in-Don de M.!lt Lheritier ; no Penlamerone de Basile, o conto italiano, e na Novelline di Santo Stephano, de Gubernatis, La Comprata. No Norske eventyr, de Asbjõrnen e Moe, As tres tias-, e na collecção sueca de Cavallius e Stephens, A rapariga que não podia fiar ouro com lama e palha, e As tres corvinhas. Jacob Grimm, nos seus Kinder und Hause mãrchen, n 0 14, traz As tres fiandeiras ; traduzido nos Contos choisies. de Fred. Baudry, p. 128. Ha alguns vestígios em Rumpelstizchem; na collecção de Bürching, Volksagen, Märchen, und Legenden, é o das Trez Fiandeirinhas. Ha uma outra versão portugueza traduzida por G. Ralston nos Portuguese folk Tales, de Consiglieri Pedroso, n.° xix, com o titulo As Tias. Na Mythologie des Plantes, t. 11, p. 212, Gubernatis traz um conto popular da Calabria, cujo maravilhoso versa sobre o poder de fiar concedido pelas fadas a uma mulher.


Contos portugueses compilados por Theophilo Braga em 1883 (https://pt.wikisource.org/wiki/Categoria:Contos_Tradicionaes_do_Povo_Portuguez)

           

       

           

       

               

       

               

       

               

       

     

Nenhum comentário:

Postar um comentário