sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

 

A NOIVA DO CORVO

                   

Havia numa terra uma mulher, que tinha em sua companhia um corvo. Defronte dela moravam três raparigas muito lindas. Como o côrvo queria casar, mandou falar à mais velha; respondeu-lhe que não, e o côrvo raivoso arrancou-lhe os olhos. Sucedeu o mesmo com a segunda, até que a terceira sempre se sujeitou a casar com o côrvo.

                   

Tempo depois de já viverem na sua casa, a rapariga falou a uma vizinha no seu desgosto de estar casada com um côrvo; a vizinha aconselhou-lhe que lhe chamuscasse as penas, porque podia ser obra de encantamento, e assim se quebraria. Quando á noite se foram os dois deitar, a rapariga chegou a candeia ás penas do côrvo; ele acordou logo, dando um grande berro:

                   

— Ai, que me dobraste o meu encantamento! Se me queres salvar, vai pôr-te àquela janela, e todos os pássaros que vires, chama-os e pede-lhes assim: «Venham, passarinhos, venham despir-vos para vestir el-rei que está nú.» 

De fato os passarinhos começaram a vir pousar na janela, e cada um deixava cair uma pena com que o côrvo se foi cobrindo. Depois que ficou outra vez emplumado, o côrvo bateu as asas, e desapareceu, dizendo para a mulher:

                   

Agora se me quiseres tornar a vêr, 

Sapatos de ferro hás de romper.

                   

A pobre rapariga ficou sozinha toda aquela noite, e logo que amanheceu foi comprar uns sapatos de ferro e meteu-se a correr o mundo. Tinha os sapatos quase estragados de andar, quando encontrou um velho e lhe perguntou se não tinha visto um pássaro. O velho respondeu:

                   

— Eu venho da fonte da Madrepérola, onde estavam bastantes.

                   

Ela continuou o seu caminho, e antes de chegar à fonte ali encontrou um côrvo, que lhe disse:

                   

—Olha, se quiseres salvar o rei, vai à fonte, onde estará uma lavadeira a lavar um vestido de penas, tira-lho e lava-o tu. Ao pé da fonte está uma casa, e um velho que a guarda; entra aí, mata o velho para poderes quebrar todas as gaiolas e dar a liberdade aos pássaros que ele tem lá presos.

                   

A rapariga chegou à fonte, e fez como o côrvo lhe tinha dito; lavou o vestido de penas e depois entrou na casa onde estava o velho, fingiu que via vir pelo mar uma linda embarcação; o velho chegou à janela e a rapariga pegou lhe pelas pernas e deitou-o ao mar. Depois quebrou todas as gaiolas e os pássaros em liberdade tornaram-se príncipes que estavam encantados, e entre eles estava o seu marido, que era

rei e lhes pôs a obrigação de a servirem toda a vida. 


(Algarve.)

               

                                   

           

               

                   

A noiva do corvo. (Pag. 67) —Nos Kalmükische Märchen, de Jülg, vem um conto do Pássaro desposado, que se prende a este cyclo do amante tornado em pôrco eu em Cavallo, em serpente ou em pássaro. Nos Contos populares portugueses, n 0 xxv e xxxiv, vem com os titulos O Carneirinho branco, e o Príncipe sapo. Brueyre, nos Contos populaires de la Grande Bretagne, cita um conto da collecção de Campbell, em que o esposo é um corvo, e não um principe sapo ou príncipe serpente como no cyclo em geral, na Russia, Allemanha, Italia e França. (Vid nota a pag. 58.) Estudamo-lo mais adiante ao annotar a redacção litteraria de Trancoso. No sétimo conto mogol do Siddhi-Kur, resumido por Gubernatis (Myth. soologique,t. 1, 140), é a gaiola que a desposada queima por consellio de uma bruxa. Nos mythos indianos o sol é um passaro, e a aurora a gaiola que arde. Nas Fiabe, Novelle e Racconti popolari siciliani, de Pittré, ha o conto d'este cyclo, n.° cclxxxi, Ré Cristallu; e St. Prato, sob o título O rei serpente. Consiglieri Pedroso colligiu duas versões portuguezas O Príncipe encantado, e o Talo de couve. Liebrecht e Volmer estudaram este cyclo da Bella e da Fera.

 

1740—Mme Villeneuve, Contes maríns: La Belle et la Bête.

    1757—M.n<« de Beamont, no Magasin des F.nfants resume a novella anterior.


Sobre este assumpto a opera Zémire et Azor. letra de Marmontel, musica de Grétry.

Sobre a variedade de versões populares d'este conto, vid. Ralston, Beauty and the Beast, no jornal The Nineteenth Century, Decemb. 1878, p. 990 a 1012.

 

Contos portugueses compilados por Theophilo Braga em 1883 

Link para o livro completo: (https://pt.wikisource.org/wiki/Categoria:Contos_Tradicionaes_do_Povo_Portuguez)

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